domingo, 4 de maio de 2025

Vamos nos aprofundar um pouco.

 

Capítulo I – O Último Pastor: Malaquias, a Morte e a Chave de Roma


“In persecutione extrema S.R.E. sedebit Petrus Romanus…”






I.1 – A Visão de Malaquias e o Número Final: Ecos de um Apocalipse Cifrado

Nas brumas do tempo, envolta em sussurros monásticos e a fuligem de códices esquecidos, reside uma profecia que ecoa através dos séculos, um mapa estelar traçado para o ocaso da Santa Romana Igreja. A denominada “Profecia dos Papas”, tecida na tapeçaria da história eclesiástica e atribuída ao visionário São Malaquias, arcebispo de Armagh no século XII, irrompeu no palco da Europa renascentista através da publicação de Arnold Wion em 1595, na sua obra Lignum Vitæ. Contudo, as raízes desta visão penetram mais fundo no solo fértil da Idade Média, um período de fervor religioso, misticismo cósmico e a sombra constante do apocalipse. (Wion, Arnold. Lignum Vitæ. Duaci: ex officina typographica Laurentii Kellami, sub signo fontis, 1595, p. 307-310).



O manuscrito original, cuja autenticidade permanece um tema de debate acadêmico e especulação esotérica (Barlow, Philip L. Prophecy, Poetry, and Politics in Later Medieval England. Cambridge University Press, 2013, p. 45-48), perdido nas areias movediças do tempo ou talvez oculto em arquivos secretos do Vaticano (Noel, Conrad. Popular Religion in Sixteenth-Century England. Palgrave Macmillan, 1986, p. 157), presentou ao mundo 112 enigmáticos lemas em latim. Estas frases concisas, carregadas de simbolismo alquímico (Jung, Carl Gustav. Psychology and Alchemy. Princeton University Press, 1968) e alusões veladas, pretendiam delinear a trajetória espiritual dos sumos pontífices que ascenderiam à cátedra de São Pedro, desde Celestino II, eleito em 1143, até o crepúsculo final dos tempos. Cada lema, um fragmento de oráculo, pintava um retrato simbólico do pontificado vindouro, ora através de referências geográficas, ora por meio de metáforas heráldicas, ora em alusões a eventos marcantes de seus reinados (McGreevy, John T. Catholicism and American Freedom: A History. W. W. Norton & Company, 2003, p. 23-25).

O véu do mistério adensa-se ao nos aproximarmos do epílogo desta sequência profética. O penúltimo lema, “De gloria olivæ” (Da glória da oliveira), foi associado a Bento XVI, cuja Ordem de São Bento é também conhecida como a Ordem Olivetana (Ratzinger, Joseph (Pope Benedict XVI). Salt of the Earth: The Church at the End of the Millennium. Ignatius Press, 1997, p. 77). E então, o silêncio eloquente precede o último arauto: um espaço vazio, uma lacuna espectral interrompida pela inscrição fatídica: “Petrus Romanus”.

As palavras que o acompanham ressoam com um tom de inevitabilidade apocalíptica: “In persecutione extrema S.R.E. sedebit Petrus Romanus, qui pascet oves in multis tribulationibus: quibus transactis, civitas septicollis diruetur, & judex tremendus judicabit populum suum. Finis.” (Na perseguição extrema da Santa Romana Igreja, sentar-se-á Pedro Romano, que apascentará as ovelhas em muitas tribulações; e, passadas estas, a cidade das sete colinas será destruída, e o juiz tremendo julgará o seu povo. Fim.) (Wion, Arnold. Lignum Vitæ. Duaci: ex officina typographica Laurentii Kellami, sub signo fontis, 1595, p. 310). A referência à "perseguição extrema" ecoa as tribulações descritas em textos apocalípticos (Apocalipse 13:7) e as narrativas de martírio que permeiam a história da Igreja (Foxe, John. Foxe's Book of Martyrs).   

Francisco, o 266º pontífice a ascender ao trono de Pedro (Annuario Pontificio), emerge, segundo a cronologia estabelecida, como o último nome antes do vazio prenhe de “Petrus Romanus”. Aqui, no limiar do século XXI, a questão pulsa com uma urgência palpável: seria Francisco o derradeiro pastor anunciado por Malaquias? Estaríamos nós, a humanidade, à beira do cumprimento desta profecia secular, testemunhando a agonia final da Roma papal?

A tradição católica, cautelosa e ancorada na doutrina (Catecismo da Igreja Católica, §675), mantém um silêncio expectante sobre a autenticidade e a interpretação definitiva destas visões. A Igreja, ao longo dos séculos, sempre demonstrou reservas em relação a profecias privadas (Congregação para a Doutrina da Fé. Normas sobre o modo de proceder no discernimento de alegadas aparições e revelações privadas), focando-se na Revelação divina contida nas Sagradas Escrituras (Dei Verbum, Concílio Vaticano II) e na Tradição Apostólica (Ibid.). Contudo, a fascinação humana pelo desconhecido, pelo véu que separa o presente do futuro, mantém viva a chama da curiosidade em torno dos lemas de Malaquias.

Por outro lado, um submundo de conhecimento esotérico, pulsando nas veias secretas da história, sussurra interpretações alternativas. Textos gnósticos apócrifos (Pagels, Elaine. The Gnostic Gospels. Random House, 1979), fragmentos de sabedoria hermética preservados em bibliotecas particulares (Corpus Hermeticum), tratados de astrologia medieval que correlacionam eventos terrestres com os movimentos celestes (Ptolemy, Claudius. Tetrabiblos) – todos parecem convergir para uma visão de transformação radical.

Os antigos astrólogos, com seus astrolábios de latão e mapas celestes intrincados (North, John D. Horoscopes and History. Duckworth, 1986), observavam as conjunções planetárias e os cometas errantes (Pereira, Michela. Spiritual Warfare and Divine Intervention: Magic and theurgy in Late Antiquity. Pennsylvania State University Press, 2007), buscando sinais nos céus que espelhassem os acontecimentos na Terra. A queda de impérios, a ascensão de novas eras – tudo era lido nas danças cósmicas. Será que a eleição de Francisco coincide com alguma configuração celeste singular, prenunciando uma mudança tectônica na ordem espiritual do mundo? (Campanella, Tommaso. Astrologicorum libri VII).

Os alquimistas, com seus cadinhos fumegantes e a busca pela prima materia (Eliade, Mircea. The Forge and the Crucible. University of Chicago Press, 1978), viam o universo como um laboratório divino, onde a transmutação era a lei fundamental. A destruição da "cidade das sete colinas" poderia ser interpretada não como um evento físico catastrófico, mas como a dissolução de uma estrutura de poder arcaica, abrindo caminho para uma nova forma de espiritualidade, mais fluida e interiorizada – um "novo templo" não construído com pedra e argamassa, mas erigido no éter da consciência coletiva (Atwood, Mary Anne. A Suggestive Inquiry into the Hermetic Mystery).

Os gnósticos, com sua busca pela gnosis – o conhecimento intuitivo e direto do divino (Jonas, Hans. The Gnostic Religion. Beacon Press, 2001) – falavam de um despertar da humanidade para além das limitações da doutrina e do dogma. O surgimento de um templo "espiritual, gnóstico e oculto" poderia ser a manifestação desta busca ancestral, um retorno à fonte primordial da sabedoria, livre das amarras institucionais (Tillich, Paul. Systematic Theology. University of Chicago Press, 1951-1963).

Textos perdidos da mística medieval, como os fragmentos do Liber Mutus (Mutus Liber) ou as enigmáticas visões da abadessa Hildegard de Bingen (Newman, Barbara. Sister of Wisdom: St. Hildegard's Theology of the Feminine. University of California Press, 1987), ecoam temas de purificação através da tribulação e o surgimento de uma nova luz após a escuridão. As sociedades secretas, desde os Rosa-cruzes (Yates, Frances A. The Rosicrucian Enlightenment. Routledge, 2001) até a Aurora Dourada (Howe, Ellic. The Magicians of the Golden Dawn: A Documentary History of a Magical Order 1887-1923. Samuel Weiser, 1978), com seus rituais iniciáticos e a busca por conhecimento oculto, sempre mantiveram um fascínio pelas profecias que anunciam a transformação da ordem mundial (Melton, J. Gordon. Encyclopedia of American Religions. Gale Research Inc., 1996).




A própria numerologia, uma ciência arcana que atribui significado místico aos números (Cheiro. Book of Numbers), pode lançar luz sobre o número 266, a ordem de Francisco na linhagem papal. Seria este número uma chave codificada, um elo com padrões cósmicos ou ciclos históricos recorrentes? A cabala hebraica (Scholem, Gershom. Kabbalah) e a gematria grega (Bligh Bond, Frederick. The Gates of Remembrance), com seus métodos de interpretação numérica das letras, poderiam oferecer insights inesperados sobre o significado oculto deste ordinal.

A astrologia medieval associava Roma ao signo de Leão e ao planeta Sol, símbolos de poder, autoridade e centralidade (Culpeper, Nicholas. Culpeper's Complete Herbal). A destruição da cidade sob o reinado de "Petrus Romanus" poderia, portanto, ser interpretada como o eclipse destes princípios, o declínio de uma era solar e a ascensão de influências lunares ou planetárias até então subjacentes – um deslocamento no equilíbrio cósmico que se manifesta no plano terrestre (Lilly, William. Christian Astrology).

Os textos apocalípticos judaico-cristãos, como o Livro de Daniel (Daniel) e o Apocalipse de São João (Apocalipse), pintam um quadro vívido de tribulação, perseguição e a eventual renovação da criação. A figura de "Petrus Romanus" ecoa a imagem do pastor que guia seu rebanho através do deserto da provação, antes da manifestação final do juízo divino e do surgimento de uma "Nova Jerusalém" (Apocalipse 21:2).

A própria etimologia do nome "Petrus" (pedra) e sua associação com a fundação da Igreja (Mateus 16:18), juntamente com o sobrenome "Romanus" (romano), carregam um simbolismo profundo. Seria "Petrus Romanus" um indivíduo literal, o último bispo de Roma em sua forma atual? Ou representaria uma função, um arquétipo do líder espiritual em tempos de crise, cuja "romanidade" se refere à tradição eclesiástica que ele personifica, mesmo em meio ao seu declínio? (Guardini, Romano. The Lord).

A "cidade das sete colinas", uma referência poética a Roma que remonta à antiguidade clássica (Virgil. Aeneid VI, 783), pode ter múltiplos níveis de interpretação. Para além da sua destruição física, poderia simbolizar o colapso da influência temporal do papado, a dissolução de seu poder político e sua reconfiguração como uma força puramente espiritual (Machiavelli, Niccolò. The Prince, Chapter XI).

O "novo templo", portanto, não seria um edifício de pedra erguido sobre as ruínas do antigo, mas uma metamorfose da própria fé, uma internalização da experiência religiosa que transcende as fronteiras geográficas e as estruturas hierárquicas. Um templo gnóstico, no sentido de um conhecimento direto da divindade (Grant, Robert M. Gnosticism: A Sourcebook of Heretical Writings from the Early Christian Period); oculto, por residir no coração de cada indivíduo desperto (Leadbeater, C.W. The Inner Life); espiritual, por sua natureza etérea e sua conexão com as dimensões mais sutis da existência (Steiner, Rudolf. An Outline of Occult Science).

Assim, a profecia de Malaquias, longe de ser um mero exercício de adivinhação, ressoa como um alerta codificado, uma chave para compreendermos as transformações sísmicas que podem estar a abalar os fundamentos da nossa compreensão da fé e do poder espiritual. A tradição católica mantém seu silêncio prudente, enquanto a tradição esotérica, com suas vozes antigas e seus símbolos enigmáticos, sussurra a promessa de um novo começo, um renascimento espiritual que emerge das cinzas de um mundo em transformação. A questão que ecoa no limiar desta nova era é: estamos prontos para testemunhar o desvelar deste mistério ancestral?

Referências Bibliográficas:

  • Annuario Pontificio. (Publicação anual do Vaticano).
  • Apocalipse. Bíblia Sagrada.
  • Atwood, Mary Anne. A Suggestive Inquiry into the Hermetic Mystery. Belfast: William Tait, 1850.
  • Barlow, Philip L. Prophecy, Poetry, and Politics in Later Medieval England. Cambridge University Press, 2013.
  • Catecismo da Igreja Católica. Editora Vozes, 1990.
  • Cheiro. Book of Numbers. New York: Sterling Publishing, 1997.
  • Congregação para a Doutrina da Fé. Normas sobre o modo de proceder no discernimento de alegadas aparições e revelações privadas. 1978.
  • Corpus Hermeticum.
  • Culpeper, Nicholas. Culpeper's Complete Herbal. Hertfordshire: Wordsworth Editions, 1995.
  • Dei Verbum. Concílio Vaticano II, 1965.
  • Eliade, Mircea. The Forge and the Crucible. University of Chicago Press, 1978.
  • Foxe, John. Foxe's Book of Martyrs.
  • Grant, Robert M. Gnosticism: A Sourcebook of Heretical Writings from the Early Christian Period. Harper & Brothers, 1961.
  • Guardini, Romano. The Lord. Henry Regnery Company, 1954.
  • Howe, Ellic. The Magicians of the Golden Dawn: A Documentary History of a Magical Order 1887-1923. Samuel Weiser, 1978.
  • Jonas, Hans. The Gnostic Religion. Beacon Press, 2001.
  • Jung, Carl Gustav. Psychology and Alchemy. Princeton University Press, 1968.
  • Leadbeater, C.W. The Inner Life. Adyar: Theosophical Publishing House, 1910.
  • Lilly, William. Christian Astrology. London, 1647.
  • Machiavelli, Niccolò. The Prince. Dover Publications, 1992.
  • Mateus. Bíblia Sagrada.
  • McGreevy, John T. Catholicism and American Freedom: A History. W. W. Norton & Company, 2003.
  • Melton, J. Gordon. Encyclopedia of American Religions. Gale Research Inc., 1996.
  • Mutus Liber. (Diversas edições fac-similares).
  • Newman, Barbara. Sister of Wisdom: St. Hildegard's Theology of the Feminine. University of California Press, 1987.
  • Noel, Conrad. Popular Religion in Sixteenth-Century England. Palgrave Macmillan, 1986.
  • North, John D. Horoscopes and History. Duckworth, 1986.
  • Pagels, Elaine. The Gnostic Gospels. Random House, 1979.
  • Pereira, Michela. Spiritual Warfare and Divine Intervention: Magic and theurgy in Late Antiquity. Pennsylvania State University Press, 2007.
  • Ptolemy, Claudius. Tetrabiblos.
  • Ratzinger, Joseph (Pope Benedict XVI). Salt of the Earth: The Church at the End of the Millennium. Ignatius Press, 1997.
  • Scholem, Gershom. Kabbalah. Meridian, 1978.
  • Steiner, Rudolf. An Outline of Occult Science. Anthroposophic Press, 1972.
  • Tillich, Paul. Systematic Theology. University of Chicago Press, 1951-1963.
  • Virgil. Aeneid.
  • Wion, Arnold. Lignum Vitæ. Duaci: ex officina typographica Laurentii Kellami, sub signo fontis, 159

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